Uma obra de arte chamada Homem-Aranha: Através do Aranhaverso | Crítica
- André Keusseyan
- 14 de jun. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 25 de jan.
A continuação da premiada animação supera todas as expectativas em uma história que mergulha fundo tanto no Multiverso quanto em seus personagens

Na história do cinema, poucas sequências atingiram o êxito de superar o filme original. Talvez apenas Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) tenha conseguido esse feito. Após um primeiro filme superpremiado que revolucionou o mercado de animações, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso chega aos cinemas com essa difícil missão. Felizmente, o filme cumpre seu objetivo com perfeição, elevando o nível da produção (algo que parecia impossível) e explorando o conceito de Multiverso de uma forma nunca vista antes.
O filme faz uso da velha estratégia de Hollywood em pegar tudo o que funcionou no primeiro filme e tornar “maior e melhor” na sequência. Enquanto Homem-Aranha no Aranhaverso (2018) mostra cinco versões diferentes de homens e mulheres-aranha indo até o universo de Miles Morales (Shameik Moore), agora é Miles quem desbrava o multiverso, tendo contato com pelo menos 280 versões do herói aracnídeo, sejam elas vindas dos quadrinhos, animações, cinema, games e até brinquedos.
Diante deste cenário caótico, seria fácil para o filme se perder dentro de um festival de referências e easter eggs. Mas o roteiro de Phil Lord, Christopher Miller e Dave Callaham consegue colocar ordem no caos do Multiverso utilizando a empolgação de ver realidades paralelas e os "seres-aranhas" que lá habitam, em favor da história que querem contar. A chuva de referencias é capaz de deixar qualquer fã do Aranha feliz, mas nunca roubam o foco da história, sendo a cereja do bolo na jornada de amadurecimento de Miles.
Cada um dos mundos deste Aranhaverso possui um visual deslumbrante e único. Não é exagero dizer que a equipe de animação superou (e muito) a qualidade já impressionante do filme anterior, apresentando cenários distintos e marcantes como a sede da Sociedade Aranha, com suas plataformas e pontes que se cruzam formando um emaranhado de vias que lembram uma teia de aranha, ou as diferentes versões da cidade de Nova York, como o paraíso futurista do Homem-Aranha 2099 e a mistura entre Manhattan e Mumbai no universo do Homem-Aranha Indiano.
Mas o destaque fica mesmo com o universo de Gwen Stacy (Hailee Steinfeld), a Mulher-aranha (ou Spider-Gwen para diferencia-la da personagem Jessica Drew). Apesar de ser um mundo mais próximo do de Miles Morales, aqui o que domina é o uso das cores. O visual da animação neste universo é belíssimo, com cenários que parecem ter sido feitos com aquarela, cujas core são usadas para contar a história da personagem, uma vez que variam entre tons mais fortes e tons mais pasteis, dependendo do sentimento que a cena quer passar no momento. Assim, mesmo com tantos universos novos para explorar, Através do Aranhaverso abre um merecido espaço para que Gwen Stacy possa brilhar. Apenas mencionado no primeiro filme, o passado da personagem é aprofundado dentro de um arco próprio que aborda seus traumas, desejos, e principalmente o relacionamento com seu pai. Toda essa atenção dada à heroína se torna um dos fios condutores do filme, além de trazer novas camadas para seu relacionamento com Miles.

Com Miles Morales não é diferente. Sabendo que o que faz do Homem-Aranha um personagem tão adorado é a identificação com o público, a produção segue o sucesso do primeiro filme, equilibrando os desafios enfrentados por Miles com e sem a máscara. Ao acompanharmos a relação do jovem com os pais, somos capazes de entender suas angústias e sonhos. Amadurecimento é a palavra chave, se antes o recebimento dos poderes de aranha funcionavam como uma metáfora para a entrada na puberdade, agora os deveres de Miles como um super-herói soam como a entrada na vida adulta. A busca por uma identidade própria, e as expectativas depositadas pelos pais são alguns dos temas encontrados pela produção para humanizar Miles e Gwen. O “fator identificação” do Homem-Aranha entra em cena exatamente porque todos que assistirem ao filme passaram ou ainda passarão por experiências semelhantes.
Conforme o filme avança, a dupla se aventura através das múltiplas realidades, entrando em contato com todo tipo de novos Homens/Mulheres/Animais/Objetos-Aranha. Cada uma das variantes do herói está aqui para nos mostrar, não só, que o heroísmo pode vir nos mais variados formatos, mas que também o ideal de heroísmo pode variar de pessoa para pessoa. É nesse cenário que surge a figura do Homem-Aranha 2099 (Oscar Isaac).
Muito esperado desde sua aparição na cena pós-créditos do primeiro filme, Miguel O’Hara é mais do que apenas o líder dos Guerreiros da Teia (como são chamadas as versões alternativas do Homem-Aranha nas HQs). Seu passado sofrido traz um debate muito interessante em torno do que “faz” um Homem-Aranha e o coloca diretamente em conflito com os ideais de Miles. Afinal, está tudo bem em sacrificar uma vida para salvar muitas outras, ou um verdadeiro herói conseque salvar a todos?

Outro ponto forte do filme é o vilão Mancha. Detentor de um visual mais cômico do que ameaçador, o vilão, completamente obscuro dos quadrinhos, não tem nem de longe o peso de um Duende Verde, Dr. Octopus, ou até mesmo do Rei do Crime. É um personagem que jamais seria especulado para antagonizar um filme do Aranha. Mas é exatamente por isso que o filme acerta mais uma vez. Tendo toda a liberdade para apresentar o personagem, a produção desenvolve seu arco dramático desde o momento em que aparece sendo tratado apenas como mais um inimigo bobo, “o vilão da semana” se preferir, até se tornar uma ameaça capaz de destruí todo o Multiverso.
Com tudo isso em mãos, a direção de Joaquim dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson é brilhante. O trio entrega um longa com a dose certa de ação, drama e comédia, tudo combinando perfeitamente para contar uma história empolgante e surpreendente. Se Através do Aranhaverso tem algum ponto fraco seria a falta de final, algo que pode frustrar aqueles que não sabiam que o filme seria dividido em duas partes. Mas ao mesmo tempo, esse fato acaba sendo mais um agrado para os fãs. Se a característica principal da franquia Aranhaverso é ser uma espécie de quadrinho animado, com suas hachuras, balões de pensamento e onomatopeias, tem coisa mais quadrinho do que terminar o filme com um retângulo escrito “continua...”?
Dessa forma, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso mostra que o gênero de super-herói não está morrendo, como muitos tentam fazer parecer, vindo com força total para a próxima temporada de premiações nas categorias de Animação, e para mim, não seria nenhum absurdo pintar uma indicação para Melhor Filme. A produção supera todas as expectativas depositadas desde sua confirmação, fazendo de Aranhaverso a experiência definitiva de Multiverso no cinema de super-heróis (pelo menos até o lançamento do terceiro filme).