Avatar: A quase redenção do Último Mestre do Ar | Crítica
- André Keusseyan
- 5 de mar. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 25 de jan.
Mesmo com um visual fiel e estonteante, série live-action da Netflix não apresenta o brilho da animação original.

A animação Avatar: A Lenda de Aang encantou e segue encantando milhares de fãs ao redor do mundo. Desde a estreia da série animada, Hollywood tem tentado trazer a história do monge careca com a seta na cabeça para uma produção em live-action. Após um filme execrável, produzido em 2010 pelo renomado diretor M. Night Shyamalan, foi a vez da Netflix tentar adaptar a jornada de Aang (Gordon Cormier), agora através de uma série. Avatar: O Último Mestre do Ar consegue retirar o gosto ruim deixado pela versão anterior (o que não era muito difícil), mas ainda comete erros que impedem a produção de brilhar como a animação original.
A trama conta a história de Aang, um garoto que passou os últimos 100 anos congelado em um Iceberg. Após despertar, ele descobre que o mundo está mergulhado em uma gigantesca guerra iniciada pela maléfica Nação do Fogo. Agora, Aang deve embarcar junto aos irmãos Katara (Kiawentiio) e Sokka (Ian Ousley), em uma jornada para aprender a controlar os quatro elementos – água, fogo, terra e ar – se tornar o Avatar e restaurar a paz e o equilíbrio no mundo.
Quando se fala em adaptar animações para live-action, a Netflix tem alternado entre retumbantes fracassos como Cowboy Bebop e grandes sucessos como One Piece. Encontrar o equilíbrio ideal na hora de fazer a transição entre as mídias sempre foi o maior desafio encontrado pelas equipes responsáveis por esse tipo de produção. Para chegar ao resultado desejado, Avatar: O Último Mestre do Ar optou por manter extrema fidelidade ao visual da animação ao mesmo tempo em que toma algumas liberdades na narrativa da jornada dos protagonistas.
A primeira temporada da série cobre os principais eventos do Livro Um: Água – nome da primeira temporada da animação – fazendo pequenas alterações necessárias como cortar tramas irrelevantes para a narrativa principal, ou compilando diferentes enredos em um só a fim de deixar a história mais fluida. Porém em alguns casos essa aglutinação não é bem executada, deixando tudo muito corrido e superficial. O principal exemplo é a unificação dos arcos de Jato e seus Guerreiros da Liberdade com o do Rei e da cidade de Omashu, mais a história do engenheiro Sai e seu filho e ainda dão um jeito de inserir a trama de “A Caverna dos Dois Amantes”, que na animação é protagonizada por Aang e Katara, mas na série foi vivida por Katara e Sokka (uma decisão completamente equivocada que, não só altera toda a essência da história que está sendo contada, como também interfere no desenvolvimento da relação entre Aang e Katara).

Tudo isso acaba prejudicando a construção do Time Avatar. Eles são uma família apenas porque a série está nos dizendo. Nunca vemos de fato essa união em tela, pois na maioria das vezes os personagens estão separados, com cada um resolvendo seus problemas. A forma como a produção não sabe trabalhar seu trio protagonista é o principal problema de Avatar: O Último Mestre do Ar.
Para fugir do rótulo de “série infantil”, a equipe responsável optou por um tom mais “sombrio” para a produção, dando mais foco aos males da guerra. Isso não chega a ser exatamente um problema, pois além de dar uma dimensão maior para a crueldade da Nação do Fogo, também deixa clara a importância de Aang e a necessidade da figura do Avatar para o mundo.
O problema é que a produção esquece que seus protagonistas são jovens na faixa dos 12, 15 anos de idade. Para fazer essa abordagem mais sombria funcionar, a série precisou colocar o senso de urgência no máximo, dando poucas oportunidades para que Aang, Katara e Sokka possam se comportar como crianças que ainda estão em formação. Comportamentos característicos dessa etapa da vida como imaturidade, as angústias do primeiro amor, entre outros aspectos tão presentes na animação são ignorados.
Essa questão afeta cada um dos membros do Time Avatar, mas Aang é quem mais sofre. Isso porque parte do carisma do personagem na animação está no fato dele ainda ser um garoto de 12 anos que, apesar de ter um caminho muito importante para trilhar, consegue encontrar tempo para brincar e se divertir. Já o Aang do live-action, mesmo mostrando seu lado brincalhão em momentos pontuais, passa a maior parte do tempo fazendo monólogos sobre falhas e responsabilidades do que sendo uma criança. Uma pena, pois o ator Gordon Cormier esbanja carisma em todas as suas cenas.

Outro personagem que sofre com alterações (essa um tanto polêmica) em sua personalidade é Sokka. Na animação o personagem é apresentado como um jovem machista que não enxerga nas mulheres a capacidade de serem grandes guerreiras. Isso se dá muito em função da forma como Sokka cresceu, perdendo a mãe muito cedo e com o pai tendo que ir lutar na Guerra, deixando-o sozinho para cuidar, não só da irmã caçula, como de toda a Tribo da Água do Sul. No entanto, ao longo da jornada, principalmente durante o arco da Ilha Kyoshi, o personagem muda sua forma de ver o mundo. Ele evolui. Após perder para “um bando de mulheres”, Sokka reconhece a força das guerreiras Kyoshi e humildemente pede para ser treinado por elas.
No live-action, optou-se por retirar de Sokka seu comportamento machista (talvez pra fugir de qualquer polêmica nas redes sociais), o que acabou diluindo seu arco de amadurecimento. Na verdade, é como se ele já fosse um adulto formado que não tem nada para aprender. Sua relação com as guerreiras Kyoshi foi completamente esvaziada, transformando um arco de aprendizado em apenas um episódio que explora, de forma muito superficial, seu relacionamento com Suki (Maria Zhang).
Por outro lado, a série conseguiu trabalhar perfeitamente todo o arco de amadurecimento do Príncipe Zuko. Ao longo dos oito episódios, o arquirrival de Aang vai aprendendo com seus erro e evolui ao confrontar se próprio passado. Uma tarefa conduzida com maestria pelo ator Dallas Liu. Outros que merecem destaque são Paul Sun-Hyung Lee, que traz toda a sabedoria e gentileza do Tio Iroh, Daniel Dae Kim, imponente como o Senhor de Fogo Ozai, e Elizabeth Yu como perversa Princesa Azula, personagem que não tem muita importância na primeira temporada da animação, mas que a série resolveu aproveitar e contar uma espécie de “história de origem” da jovem que dará a maior dor de cabeça para Aang e seu amigos em uma futura segunda temporada.
Todo o elenco da Nação do Fogo está muito bem representado, com exceção o Comandante Zhao (Ken Leung). Se na animação o personagem é imponente, calculista e um guerreiro respeitado, o live-action transforma Zhao em um "comandantezinho" qualquer que vê na captura do Avatar uma forma de ascender rapidamente na hierarquia da Nação do Fogo e conquistar o respeito que acredita merecer.

Se na parte narrativa a série oscila, Avatar: O Último Mestre do Ar tem no quesito visual sua maior virtude. Desde o primeiro minuto da série, é palpável a atenção e o cuidado com a representação de todos os elementos que tornam o mundo de Avatar tão encantador. A recriação dos cenários (com exceção do esconderijo de Jato e seus Guerreiros da Liberdade), figurinos, criaturas fantásticas e as habilidades dos personagens são realmente um espetáculo capaz de agradar o mais fanático dos fãs. No entanto, nem tudo é perfeito, pois em alguns momentos, principalmente quando os protagonistas estão em destaque, é perceptível que os atores estão em frente a uma tela verde, algo que pode tirar a imersão dos espectadores mais atentos aos detalhes, mas que passa longe de prejudicar a obra.
Ao longo dos oito episódios, o que mais salta os olhos com certeza são os combates grandiosos entre dobradores (nome dado às pessoas capazes de manipular elementos). As dobras dos elementos são apresentadas com uma precisão impecável, não apenas na representação dos golpes como nos movimentos necessários para executá-los. Assim como houve com a série de The Last of Us, certamente haverá muitos vídeos na internet comparando lado a lado as cenas de batalha do live-action com as da animação.
No fim, Avatar: O Último Mestre do Ar é uma série cheia de altos e baixos. A produção é competente ao servir como porta de entrada para o mundo e a história de Aang, mas que nunca atinge o potencial e a qualidade narrativa apresentado na animação. Resta aguardar a segunda temporada para ver se a série consegue dominar seus próprios defeitos, assim como Aang ainda tem que dominar os demais elementos, algo que deveria ter sido o principal objetivo do jovem Avatar, mas que acabou ficando em segundo plano.